Racismo: por que devemos combatê-lo?

Por Julyanna Santos 22.07.2021

“Numa sociedade racista, não basta não ser racista é preciso ser antirracista.” A frase é da filósofa, escritora, professora e ativista americana, Angela Davis; ela nos leva a pensar que o enfrentamento ao racismo – parte estrutural da nossa sociedade – deve ser uma ação fundamental e dinâmica, exercida por todos.

O racismo permeia todas as nossas relações e interfere na política, economia e cultura; tudo o que nos cerca, portanto, enquanto membros da sociedade, está sendo implicado pela fictícia ideia de superioridade de raça.

Em ações cotidianas, muitas vezes, propagamos concepções racistas, discriminamos e inferiorizamos pessoas pela cor da sua pele. Somos parte do problema, mas, acima de tudo, somos o principal meio para sua solução; combater o racismo exige vigilância e atuação proativa; é o exercício de luta contra as injustiças.

Segundo o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a maioria da população no Estado do Ceará é preta e parda; compreender nossa composição pode nos levar a refletir acerca do nosso papel.

Você pode estar se perguntando: porque devemos nos empenhar no combate ao racismo? Porque o “racismo é algo que, se não tratado, leva ao aprofundamento das crises e compromete o futuro da humanidade”, segundo o estudioso Silvio Almeida. Uma sociedade mais justa e igualitária, começa, portanto, com um pacto pelo fim do racismo.

Mais da metade da população brasileira é negra e ainda hoje, infelizmente, são as pessoas negras as que têm mais dificuldade para acessar as políticas públicas promovidas pelo Estado, como saúde e educação, por exemplo. Além disso, essa é a população que mais sofre com abordagens policiais duras, mortes e prisões, resultados de um contexto em que a pessoa negra é sempre vista como “potencialmente” suspeita; e por aí vai.

Hilário Ferreira: “Nós temos o direito a andar neste país sem sermos incomodados constantemente e violentados.”

Mas como mudar tudo isso? Como ser parte da solução desse grave problema social? O Portal Fortaleza Cidade Amiga do Idoso convidou Hilário Ferreira, mestre em História Social pela Universidade Federal do Ceará, Professor e Pesquisador da História e Cultura Negra no Ceará e Izabel Accioly, Mestra em Antropologia Social pela UFSCar e graduada em Ciências Sociais, para nos apontar caminhos e soluções. Confira!

Portal Fortaleza Cidade Amiga do Idoso – O que é discriminação racial e como ela se apresenta no dia-a-dia?

Hilário Ferreira – A discriminação é, na verdade, a materialização do racismo. É quando você impede alguém de estar em um espaço; impede alguém de exercer seu direito de cidadania por razões religiosas, raciais, políticas. É uma teoria que hierarquiza as diferenças sociais. No Brasil, a discriminação é mais sutil, já que há uma naturalização dela.

Portal Fortaleza Cidade Amiga do Idoso – Quais ações são importantes para que possamos evitar essa discriminação?

Hilário Ferreira – Para você mudar a sociedade, é necessário mudar a forma que essa sociedade se enxerga. A educação é um caminho para isso! Precisamos educar as pessoas para o respeito às diferenças e que a diferença não é sinônimo de inferioridade e superioridade. É preciso, também, que a produção de conhecimento na formação das crianças seja diversa. Ora, não foram só os europeus que produziram ciência, filosofia ou os demais saberes. Os povos africanos também produziram! Os povos indígenas também! Além disso, as pessoas nesse país precisam ser punidas, pois o racismo é violento. As balas perdidas sempre encontram um corpo negro. É incrível! Nunca a polícia invade daquela forma um bairro nobre; é sempre nas favelas, territórios que o racismo colocou a maioria do povo negro. Nós temos o direito a andar neste país sem sermos incomodados constantemente e violentados. Tem que haver punição! Teria que criar delegacias que punam e prendam pessoas que ofendam a diversidade racial. As pessoas precisam saber para onde ir quando são discriminadas em lojas, em supermercados, em bancos. Políticas públicas e investimentos, como as cotas, não são privilégios, são direitos que vão corrigir um erro histórico.

Portal Fortaleza Cidade Amiga do Idoso – Uma pessoa idosa, que já sofre preconceito, aumenta a percepção do racismo?

Hilário Ferreira – Aumenta no sentido da necessidade, porque essa pessoa idosa vai precisar de maiores cuidados. E o racismo que ela vai vivenciar pelo resto da vida dela, provavelmente, vai ser um problema e dificultar, ainda mais, a vida desse idoso.

Portal Fortaleza Cidade Amiga do Idoso – O negro idoso tem as mesmas condições de assistência social que os não-negros?

Hilário Ferreira – É para ter. Deveria. Ele encontrará muitas dificuldades.

Izabel Accioly : ” o racismo é um processo histórico, político e social que organiza nossa sociedade e, até mesmo, nos impregna.”

Um desafio de todos!

O Portal Fortaleza Cidade Amiga do Idoso também conversou com Izabel Accioly. Ela, que é Graduada em Ciências Sociais (UFC) e Mestre em Antropologia Social (UFSCar), falou sobre os desafios em combater o racismo e o impacto do preconceito na vida de homens e mulheres negras, no Brasil. Confira o bate-papo:

Portal Fortaleza Cidade Amiga do Idoso – Por que o brasileiro acha que não existe racismo?

Izabel Accioly – No Brasil as relações entre as raças foram romantizadas. Essa ideia de que as raças convivem muito bem no mesmo espaço e que não há segregação foi introjetada no imaginário do brasileiro. É comum, até hoje, ouvirmos pessoas alegando que não há dívida histórica. O fato de negros e brancos conviverem no mesmo espaço não elimina o racismo, pelo contrário, o realça. No nosso caso, é o contato que faz emergir o conflito quando, por exemplo, pessoas negras são seguidas por seguranças brancos no mercado, como aconteceu com João Alberto, morto em 19/11/20 no supermercado Carrefour.

Portal Fortaleza Cidade Amiga do Idoso – Existe uma diferença evidente: o branco é privilegiado e o negro é negligenciado! Como combater essas diferenças?

Izabel Accioly – É necessário transformar o pensamento dicotômico de branco bom x negro mau. Retirar as pessoas negras desse lugar de preconceito, de desumanização. A partir disso, da percepção das potencialidades de pessoas negras, oferecer oportunidades de trabalho, estudo, melhores condições de moradia, acesso à saúde. Garantir direitos para retirar pessoas negras da base da estrutura social e promover a mobilidade social.

Portal Fortaleza Cidade Amiga do Idoso – As mulheres negras estão no topo da opressão advinda do racismo. Você pode falar um pouco sobre isso?

Izabel Accioly – Mulheres negras sofrem uma dupla opressão. O machismo e o racismo se articulam na nossa experiência, criando um tipo de sofrimento e opressão específicos para esse grupo. Por exemplo, em seus relacionamentos amorosos, a mulher negra é hiperssexualizada ou rejeitada. É como se o amor não fosse uma possibilidade para nós. Além disso, as mulheres negras estão na base da sociedade, é por isso que Angela Davis diz que quando mulheres negras se movimentam, toda a sociedade se movimenta.

Portal Fortaleza Cidade Amiga do Idoso – Racismo! Como combatê-lo?

Izabel Accioly – Como argumenta Silvio Almeida, o racismo é estrutural. Isso significa que o racismo é um processo histórico, político e social que organiza nossa sociedade e, até mesmo, nos impregna; o racismo está  no modo como falamos, nos vestimos, amamos, nos relacionamos. Enquanto indivíduos, precisamos combater essa estrutura. Primeiro, reconhecendo que o racismo existe, que ele nos afeta. Segundo, recusando essa realidade opressora. Terceiro, criando possibilidades de vida melhores para grupos marginalizados. Algumas vezes esse entendimento passa pela educação, pelo conhecimento, pela leitura de intelectuais negras. Entretanto, vale muito mais uma atitude antirracista cotidiana do que comprar o último best seller antirracista.

Quer saber mais? Acesse o Instagram de Izabel: @afroantropologa

Convidamos você a refletir e compreender qual é o seu espaço na luta por esta causa. Para saber mais, separamos alguns materiais. Acesse!