“Sonho bastante, mas notei que, após o confinamento, eles se tornaram mais intensos, mais longos e semelhantes a filmes”, conta uma professora de 48 anos. “Também os temas começaram a se repetir. Naqueles com a minha mãe, geralmente ela está me submetendo a alguma situação de crueldade extrema, como soltar meus gatos na rua. Estes, em geral, acabam em violência, eu agredindo-a fisicamente.”
Dormir mal virou um efeito colateral do isolamento social. A ponto de um grupo de pesquisadores de três universidades – UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e USP (Universidade de São Paulo) – se unirem no projeto de pesquisa “Sonhos em Tempos de Pandemia”, que está recolhendo relatos de profissionais das áreas de educação e saúde.
Nos primeiros 500 depoimentos, adianta Rose Gurski, docente do Instituto de Psicologia da UFRGS, já foram observadas algumas repetições: “As pessoas estão sonhando muito com o tema morte, de diferentes formas. Aparece também temor de correr riscos, transmissão do vírus para familiares, perigos, traições. E muitos sonhos com perdas: do carro, do endereço de casa, da memória. E com pedras, penhascos, obstáculos.”
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Lutos e perdas importantes podem intensificar a vida onírica, os sonhos. “Deste modo, podemos pensar que a pandemia está sendo uma situação traumática, produzindo grandes mudanças no cotidiano das pessoas, com intensas perdas, que vão desde as mortes diárias até a da regularidade do dia-a-dia, questão que, sobretudo, impacta os traços de identidade do sujeito, como sua rotina laboral e social.”
Os sonhos, explica a pesquisadora, são uma elaboração daquilo que a psicanálise chama de traumático, ou seja, aquilo que a pessoa não consegue representar, simbolizar e que é manifestado na forma de angústia ou mal-estar. “É natural que, em um período atípico como o de uma pandemia, as pessoas estejam em situação de sofrimento psíquico intenso, demandando do psiquismo a elaboração de questões mais pesadas.”
Pesadelos e insônia, as queixas atuais, têm relação com o nível de tensão que uma situação de isolamento social e pandemia geram. “Isso porque é algo totalmente novo para todos, há uma intensa alteração no cotidiano das pessoas, das instituições, dos grupos. Estamos experimentando mudanças nos modos de estar juntos, nos modos de encontro, nas formas de desenvolver o trabalho, no dia a dia. E, muitas vezes, colocam o sujeito em um estado mental de alerta, questão que dificulta o relaxamento necessário para o sono”, pontua Rose.
Quando dormir mal se transforma em um problema
Doenças, desemprego e vulnerabilidade social “aumentam a fragilidade das pessoas que já iniciam o enfrentamento da pandemia em estado mental desfavorável, possibilitando o agravamento de sua condição clínica ou o surgimento de novas”, observa o neurologista e chefe do Serviço de Eletroencefalograma do Hospital Edmundo Vasconcelos, Gilmar Fernandes do Prado. Por vezes, são necessários, inclusive, cuidados médicos.
Quando os pesadelos são muito frequentes, uma causa a ser pensada é a depressão. “O paciente detém pensamentos ruins, sem perspectivas, e suas emoções são desagradáveis. Dessa forma, ao dormir, este mesmo estado cerebral aflora no sonho, produzindo os pesadelos. Neste caso, um médico precisa ser consultado: especialista em sono, psiquiatra ou neurologista”, orienta.
Dormir mal pode ter outros motivos, alerta: “Por exemplo, a respiração pode não estar sendo adequada para garantir a oxigenação durante o sono, levando algumas pessoas a ter pesadelos de que estão sendo sufocadas ou afogadas. Este pode ser um sintoma de apneia obstrutiva do sono”.
Como criar uma rotina e não dormir mal
Para o novo coronavírus, literalmente, não tirar o seu sono, é preciso criar uma rotina, mesmo durante a quarentena. Confira:
- Estabeleça horários: Para acordar, dormir e também para atividades físicas, banho e refeições. “Nesta programação, é importante pensar até mesmo no consumo de informação sobre a Covid-19: é válido definir um único momento no dia para isso, a fim de estabelecer limites e garantir que o acesso à informação funcione como um meio de proteção e não como alarde”, diz o neurologista.
- Tome sol: A exposição à luz natural ajuda nosso corpo a regular o sono. Mesmo em isolamento social, é possível pegar um pouco de sol na janela ou na varanda.
- Cuide da alimentação: Comidas condimentadas, pesadas ou em excesso e ingestão de bebida alcoólica ou cafeína no fim do dia dificultam uma boa noite de sono.
- Controle o tempo nas telinhas: Computador, celular ou tablet emitem uma luz azul, que interfere no processo natural do nosso sono. Antes de ir para a cama, evite-os.
- Não insista no sono. Se você estiver na cama e não conseguir dormir, levante e faça algo bem relaxante, como meditar, de preferência sob uma luz baixa. Se acordou de um pesadelo, ao voltar para a cama, faça um momento de relaxamento, orienta Prado. “Pense em algo agradável, respire lentamente, percebendo a respiração. Uma música agradável também pode ajudar a voltar ao sono.”
- Reduza as preocupações. A insegurança e os medos podem impactar o sono. Se seus temores passam, por exemplo, pela falta de recursos para a família, procure alternativas, como guardar dinheiro ou contratar um seguro de vida.