Por Jacylete Abreu 07.05.2021
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Ante um trauma, a perda de emprego, um luto, uma grave doença, é inevitável passar por fases de tristeza, desespero, impotência… Os sonhos, os planos, desmoronam para boa parte das pessoas.
Na vida de Marilice Carrer, 62 anos, Miss Nacional e Internacional da Maturidade, episódios como esses vieram em efeito cascata, como ela nos conta: “Eu era uma executiva na área de telecomunicações e com as privatizações acabei perdendo o emprego. Depois disso, eu tentei trabalhar em outros lugares e ser profissional liberal, mas nada deu certo. Nessa mesma época, o meu marido morreu vítima de um câncer fulminante. Durante dois anos fiquei só cuidando dele. Com muita tristeza e baixa autoestima, logo me apareceu uma doença crônica no pulmão. Os médicos queriam me operar, mas eu me recusei a fazer a cirurgia. Busquei alternativas para melhorar a qualidade de vida. Fui aconselhada a mudar para uma cidade, onde o inverno não fosse tão rígido, a fim de evitar resfriados.”
Marilice mudou para o Rio de Janeiro, transformou seu estilo de vida, e se descobriu uma nova mulher, “Aliás, me descobriram UMA NOVA MULHER. Me tornei modelo aos 50 e ainda ajudo outras pessoas”, complementa.
Para contar essa história, ao Portal Fortaleza Amiga do Idoso conversamos com Marilice Carrer.
Portal – Conte-nos como tudo começou, qual sua cidade natal, sua família, infância e adolescência?
Marilice Carrer – Sou gaúcha, nasci no Interior de Garibaldi, fui agricultora até os 17 anos. Minha família é de origem italiana. Somos 12 irmãos, 10 mulheres e dois homens. Todos vivos. Nossos pais faleceram há 30 anos. Assim como eu, quase todos os irmãos buscaram sair do interior e se profissionalizar em outras cidades. Do interior de Garibaldi fui morar com quatro irmãs, por três anos, em Caxias do Sul, Serra Gaúcha. E em dezembro de 1978 me mudei para Porto Alegre para me aperfeiçoar e buscar novos desafios profissionais. Porto Alegre é até hoje meu lugar preferido. Por isso voltei a morar aqui!
Portal – Uma lembrança de infância na bela Garibaldi.
Marilice Carrer – A infância no interior de Garibaldi sempre foi de muito trabalho braçal, mesmo criança já ajudava nossos pais e irmãos, capinava, tirava leite, cuidava de galinhas e porcos, limpava a casa…. enfim fazia tudo que hoje somente os adultos podem fazer, em função das Leis Protetivas do menor.
A cidade de Garibaldi é conhecida como a Capital Brasileira do Espumante. Já curti muito as festas de lá, são lindas e divertidas, com muitas atrações que resgatam a cultura italiana e bons espumantes, é claro.
Portal – E a vida profissional, como e onde começou?
Marilice Carrer – Em Caxias do Sul trabalhei numa empresa familiar. Meu desenvolvimento profissional e acadêmico foi em Porto Alegre, onde trabalhei 23 anos na área de telecomunicações, chegando a ocupar cargo de executiva e chefe responsável pelo atendimento ao cliente nas lojas e call center de todo Estado. Com as privatizações nas telecomunicações, houve grandes reestruturações na empresa e assim perdi o emprego. Tentei ser representante comercial, mas não deu certo.
Portal – E o casamento, foi com quantos anos. Como se conheceram? Tiveram filhos?
Marilice Carrer – Meu primeiro casamento ocorreu quando cheguei em Porto Alegre, mas esse eu nem conto, na real era muito jovem, e foi uma forma de me libertar, de sair do domínio da família e iniciar a ser eu mesma. Foi um grande engano e em menos de três anos já estava separada e sem filhos. Valeu a experiência e aprendi com o erro. A partir dessa separação iniciei minha vida, em “carreira solo”. E é a primeira vez que falo isso em entrevista. Meu verdadeiro casamento aconteceu sim com meu companheiro que veio a falecer. Fomos apresentados por um amigo em comum que tinha a certeza de que seríamos um par perfeito, e fomos realmente, combinávamos em tudo: psicologicamente, emocionalmente e fisicamente. Ele era um príncipe, belo, gentil e amoroso. Tivemos apenas cinco anos de convivência, ainda estávamos em lua de mel, praticamente. E planejávamos adquirir imóvel para ser nossa nova morada. Então, é desse amável companheiro que vem toda minha história de vida. Tinha 47 anos quando ele faleceu.
Portal – Sua perda, sua dor……… Fale como foi perder seu grande amor? Como isso impactou e transformou sua vida?
Marilice Carrer – Meu companheiro, meu par perfeito, veio a falecer, de um câncer fulminante em dezembro de 2004. Fui tomada por um grande período de tristeza e depressão – o mundo caiu, e me perguntava a cada minuto o que fazer? Essa dor me deixou frágil e desenvolvi uma doença crônica pulmonar. Baixou a imunidade em função de depressão e tristeza. Por orientação médica, para melhorar minha saúde, deveria fazer cirurgia pulmonar ou buscar tratamentos alternativos, como exercícios fisioterapêuticos pulmonares, cuidar bem alimentação e principalmente mudar para uma cidade, onde o inverno não fosse tão rígido, pois eu teria que evitar ao máximo pegar infecções respiratórias.
Portal – Você mudou, então para o Rio de Janeiro… quais surpresas a Cidade Maravilhosa te proporcionou?
Marilice Carrer – Em curto espaço de tempo, no Rio, andando pelas ruas, conhecendo melhor a cidade, um produtor de uma agência me abordou na rua e disse me achar uma mulher diferenciada, elegante, charmosa e que poderia conseguir muito trabalho em TV, cinema e comerciais. Embora um pouco desconfiada, logo busquei me cadastrar na agência e, em menos de dois meses no Rio, estava eu, diariamente, fazendo figuração destaque em novelas da Globo. Sempre em gravações que precisavam de mulher chique e elegante. E foi também na Cidade Maravilhosa que surgiu a oportunidade de participar de concursos de Beleza da Maturidade. O primeiro concurso foi no Rio, em outubro de 2010, e desde então, acumulo 41 títulos de Beleza da Mulher Madura. Desses títulos 7 são Internacionais.
Portal – E a ideia de criar o grupo Divas da Alegria, como foi? Qual o propósito desse projeto?
Marilice Carrer – De 2010 há 2014 passei quase todo tempo no Rio. Em 2015, me sentindo muito bem e saudosa do povo gaúcho e desejando fazer algo que ajudasse outras mulheres, idealizei o Divas da Alegria, usando minha experiência de vida e de superação de perdas, luto e dor. O projeto Divas da Alegria tem como objetivo elevar a autoestima de senhoras acima dos 60, até os 90 anos, com problemas de saúde , solidão e depressão, algumas em decorrência de câncer de mamas. Juntas realizamos oficinas com palestras, curso de manequim modelo, dicas de melhor vestir, melhorar postura e etiqueta. Inclusive preparação e encaminhamento para o mercado de trabalho, visto que a maturidade é muito procurada pelo mercado publicitário. Promovemos, incentivamos, qualificamos e valorizamos essas mulheres que buscam viver mais e melhor, aproveitando o máximo os momentos de suas vidas. E elas com pouco tempo no grupo descobrem que ainda há muita vida para ser vivida. E para complementar, incluímos muitas ações solidárias, atividades culturais visando o despertar de habilidades e talentos.
Portal – Nesses seis anos de existência, quais as principais ações do Divas da Alegria, como e quem dá apoio financeiro. E como vem funcionando nesse período de isolamento social devido à Covid -19?
Marilice Carrer – Bem vamos separar: antes da Pandemia tínhamos encontros presenciais semanais com palestras e oficina de Manequim Modelo por mim executada. Ao final sempre realizávamos desfiles.
E nossa forma de fazer ação solidária, era levar presencialmente carinho, amor e alegria em asilos, centros de recuperação, escolar da periferia, e em chás beneficentes. Fazíamos apresentações de danças, breves coreografias com músicas que falem de amor, de mães, de avós, de crianças… Essa era nossa forma de fazer solidariedade, nossa alegria de viver nessa nova fase de vida de cada senhora.
E veio a pandemia, tudo parou em março de 2020, só havíamos realizado um encontro presencial no dia 16. A maioria das turmas tinha novas senhoras no grupo cheias de expectativas. E aí me perguntei: o que fazer? Foi necessário nos reinventarmos: iniciamos parcerias com uma amiga que costura e arrecadamos tecidos doados pelo grupo mesmo, fizemos muitas máscaras para doar a pessoas carentes, moradores de rua e garis.
Nossa rotina de atividades e encontros presenciais ganhou uma versão virtual e aproveitamos essas atividades para promover a inclusão digital das nossas participantes ensinando-as como usar celular, tirar fotos, gravar e utilizar as redes sociais. Passei algumas aulas das oficinas de Autoestima, Manequim e Modelo da Maturidade e tarefas pelo whatsap. As participantes desfilam nos corredores do andar do prédio que moram.
Em junho promovemos um Concurso Virtual, o “Diva Caipira 2020”; em julho a brincadeira online, “Amigas Secretas do Bem”, arrecadamos alimentos, roupas e utensílios para doação. Foram mais de 4200 itens. Todas realizaram a atividade de suas casas, usando a tecnologia, pedindo doações para vizinhos, amigos e família. E tudo foi doado diretamente a quem estava necessitando: a entidades, famílias, moradores de rua. Depois iniciamos a arrecadação de tampinhas para doar e transformar em cadeira de rodas para necessitados; em outubro entregamos mais de 1000 itens, entre roupas e utensílios de casa, como fogão, máquina de lavar, para ajudar duas famílias, da Vila Farrapos, tiveram suas casas incendiadas. E quero ressaltar que a atividade “Amigas do Bem”, permanece e semanalmente e/ou quinzenalmente temos ações solidárias; também promovemos o “Chá das Divas”, quando ao vivo pelo Instagran, elas, individualmente, apresentaram suas delícias, a mesa posta, suas roupas especiais, quem ajudou preparar etc; em agosto criamos uma atividade inovadora virtual, com o tema “Reviver & Viver”. A ideia considerou que na maturidade sempre surge, em algumas conversas, … . “quando eu tinha idade X anos, na década…. eu adorava tal ator, tal cantora. Com base nisso, as inscritas devem escolher um personagem , um ídolo de algum momento especial da sua vida. Vestir o personagem, dentro das suas possibilidades e com todos cuidados necessários no momento da pandemia, e elas mesmas fazem seus registros individualmente, tanto para as fotos e para o vídeo, pelo modo “self” do celular.
Em outubro, lancei a ideia do 1º calendário Solidário da Maturidade das Divas da Alegria, o que foi muito bem aceito. E em parceria com meu amigo e Produtor San Lopes, conseguimos concretizar. Além de ser vendido e a receita revertida para ações solidárias. As Divas Estrelas do Calendário ficaram com a autoestima mais elevada. Lançamos em 17/12/20 e no dia de Natal conseguimos fornecer a ceia de Natal para 100 moradores de rua, com as vendas dos calendários. E todas as vendas foram realizadas pelas Divas. E seguimos ajudando em muitas outras atividades.
Quero ressaltar que para realizar nossos projetos e atividades, tanto o calendário e todas as outras atividades que realizamos, nós as integrantes do grupo, rateamos os custos, não temos ajuda financeira de nenhuma empresa ou órgão. Por vezes conseguimos algumas parcerias. Espero que com esta divulgação, empresas se interessem em apoiar nosso belo e importante projeto.
Portal – E para finalizar nos diga qual a sensação de ressignificar as perdas e a dor com empatia solidariedade?
Marilice – Não seria a primeira a dizer: Não é fácil se ressignificar em momentos tão difíceis que a vida nos apresenta. Mas sou uma pessoa de muita fé, acredito em Anjos, não perco a esperança de dias melhores, tenho objetivos claros, sou persistente, sou determinada, adoro e respeito às pessoas, e busco concretizar o que almejo e me faz bem e, acima de tudo, acredito num remédio chamado “TEMPO” . Sou feliz e realizada hoje, e amanhã quero estar melhor.
Marilice participou do Programa Fortaleza 6.0 do último sábado (08). Confira a entrevista completa: