A pessoa idosa e o namoro na internet: como incentivar, quais cuidados devem ter e qual a importância para a saúde mental

Por: Julyanna Santos – 03/09/2021

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Idosos estão, cada vez mais, adeptos das novas tecnologias. Em apenas quatro anos, o número de pessoas da terceira idade utilizando ferramentas da internet saltou de 8% para 19% somente em 2016, de acordo com o Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (CETIC). Segundo dados do Instituto Locomotiva, pelo menos 5,2 milhões de pessoas acima dos 60 anos utilizam a internet, o que equivale a 21% de brasileiros na terceira idade. Com a chegada da pandemia, em que o isolamento social foi fortemente recomendado, é de se esperar que esse número tenha crescido.

Agora, cada vez mais integrados a esta nova realidade, com diversas ferramentas que facilitam a comunicação e a troca de informações, a internet deixou de servir apenas para procurar vídeos de receitas, ou para ouvir música e assistir pegadinhas. É em aplicativos e sites de relacionamento que a terceira idade vai encontrar uma nova forma de se entreter e conhecer pessoas! E, quem sabe, até namorar!

Teresinha, de 66 anos, adora fazer amigos e até já namorou pela internet: “sou adepta da tecnologia! Faço amizade com pessoas de vários lugares do mundo”

Teresinha Rodrigues, de 66 anos, beneficiária do Projeto Fortaleza Cidade Amiga do Idoso, já está acostumada a conhecer pessoas novas e se relacionar de forma online. Através do site Badoo, de relacionamento amoroso, conheceu e começou a namorar um senhor “muito gente fina”. O relacionamento, que durou três meses, chegou ao fim, mas “tudo numa boa”.

Para Teresinha, se relacionar na Internet é algo “bom e que vale a pena, se a pessoa tiver uma cabeça legal e tiver boas intenções”. Ela acredita que as ferramentas tecnológicas são ótimas pois amplia o horizonte de quem a usa: “eu me sinto mais jovem! Fiz amizades, com homens e mulheres, e essa troca é muita boa, muita divertida”.

José Marconi Oliveira: A internet ainda é uma terra “sem dono”, então pode acabar sendo um golpista do outro lado. Sempre ter muito cuidado ao se envolver demasiadamente no primeiro momento, porque isso pode ser fruto de alguma carência sua.

O Programa 6.0, da rádio tempo do dia 28 de agosto, entrevistou o psicólogo clínico humanista José Marconi Oliveira. Ele falou dos benefícios da socialização on-line, das novas formas de se relacionar e como evitar golpes.

Portal Fortaleza Amiga do Idoso: O relacionamento presencial muitas vezes é difícil e tem suas nuances. No mundo virtual, onde muitas coisas podem ser editadas ou falsas, pode acabar sendo mais difícil ainda. Para a terceira idade, ainda existe muito tabu e preconceito ao entrar num relacionamento virtual?

José Marconi Oliveira: Infelizmente sim. O conceito de “velho” é associado a incapacidade. Ele não produz, ele não pode se relacionar. Hoje sabemos que o idoso é um ser desejante. Ele tem o desejo de viver. É natural do ser humano esse desejo de se relacionar. Quando o sujeito não tem uma patologia, é natural que ele queira se relacionar. Ninguém vive sozinho. Não nascemos para sermos “ilhas”, nós nascemos para o contato com o outro. E é nessa relação que a gente se descobre. E é possível se descobrir em qualquer fase da vida. Então, vamos imaginar um sujeito idoso que, aos seus 70 anos, mora sozinho, mas tem o desejo de ter uma companhia. Ele deseja se relacionar, o que é altamente autêntico do ser humano, seja qual for a fase. A gente precisa olhar para ele não como um sujeito incapaz, impossibilitado de se relacionar. É importante validar esse desejo.

Portal Fortaleza Amiga do Idoso: É possível afirmar que hoje o idoso que busca relacionamentos virtuais é baseado nesse desejo de socialização?

José Marconi Oliveira: Sim. Nós temos duas categorias. A primeira foi a grande ascensão das pessoas idosas nas redes sociais por conta da pandemia. Estamos ainda nesse período onde muitos viveram um isolamento radical, e a comunicação dessas pessoas era somente por vídeo-chamada, telefonema, enfim. E aí foi possibilitado a essas pessoas ter acesso a tecnologia, e aí elas descobriram um novo universo. Encontraram outras pessoas que estavam na mesma situação. Alguns aderiram com muita facilidade. Alguns pacientes que eu atendo, que vivem essa realidade da relação via internet, relatam que as sensações que eles têm é a mesma de um encontro pessoal. Então, eles marcam lá com seu parceiro de que 20h eles vão se encontrar no chat, e vai rolar aquela ansiedade, a expectativa, “será que ela vai entrar?”. É tudo que vivemos numa relação presencial, como quando você marca um jantar ou um encontro. E aí tem uma exceção que eu acho interessante nessa relação virtual que é eles não dão tanta importância à aparência. Mas eles se encantam por aquilo que o outro passa em sua essência, o que fala. De certa forma, eles levam sua alma para aquela relação, porque falam de como se sentem e de suas experiências de vida, o que gera uma identificação. Eles percebem que do outro lado da tela, tem uma pessoa com as mesmas necessidades, e que às vezes vive em uma família muito similar. Você possibilita que o sujeito saia do seu universo fechado para conhecer alguém que possa manter uma relação.

Portal Fortaleza Amiga do Idoso: Ainda que a socialização online seja importante, ainda existem muitos golpes na rede, principalmente quando se aproveitam de muitas vulnerabilidades da pessoa idosa. Que cuidados devemos ter com idosos que estejam embarcando nessas novas tecnologias?

José Marconi Oliveira: Esse cuidado deve ser primeiro da pessoa idosa que está entrando nesse meio. Ele pode estar em um momento de vulnerabilidade, um momento de solidão, pode ser uma via pela qual ele está buscando uma conexão com o outro. O sujeito, seja qual for sua faixa etária, quando ele está vulnerável emocionalmente, é uma presa fácil, está “desarmado”. E o golpista sabe de quem se aproximar, onde investir e como envolver esse sujeito. Sabe também como buscar informações, falar o que a pessoa quer ouvir. Ele vai pegar essas informações para se aproximar de uma forma bem direta. Então, é preciso ter muito cuidado e desconfiança porque não há como saber de fato quem está do outro lado da conversa.

Uma das ferramentas mais utilizadas é a comunicação: fale pros seus filhos, pra quem mora com você, que você está conhecendo uma pessoa na internet. Quando a gente conversa, estamos nos defendendo com mais proteção. É sempre bom questionar à pessoa que está conhecendo qual é a importância dela para construir esse vínculo, o que ela busca ao fazer isso e o que ela acha que vai encontrar nesse relacionamento. Os filhos também precisam estar presentes nesse processo, para prestar apoio e entender as intenções do idoso ao buscar conhecer alguém novo. Importante ressaltar que nem todos os vínculos são íntimos e afetivos; também pode ser a vontade de fazer novos amigos e conversar.

Portal Fortaleza Amiga do Idoso: Quais são os benefícios de se relacionar com alguém de forma virtual e por qual razão está se tornando cada vez mais comum?

José Marconi Oliveira: Buscar se relacionar e se vincular com outras pessoas sempre é positivo, sempre é algo benéfico. É interessante quando você encontra uma pessoa que começa a ter acesso a tecnologia, o quanto ela se sente importante e como fica feliz ao dizer que sabe mandar mensagem, gravar vídeos, enfim. Ela sente que é capaz de aprender e conhecer coisas novas. Isso é também uma forma de estímulo. É um caminho, uma brecha, de ajudar o idoso a conhecer coisas novas. E com relação à saúde mental, é importante porque vai validar esse sujeito e fazê-lo se sentir menos isolado e sozinho.

Portal Fortaleza Amiga do Idoso: Quais os cuidados caso um encontro virtual se torne presencial? O que devemos fazer para garantir essa segurança?

José Marconi Oliveira: Não vá sozinho, vá com alguém! É importante se resguardar. Vá a algum lugar público, com grande fluxo de pessoas, pois um encontro a sós é mais propício de se acontecer algum tipo de ataque. Também é importante que o sujeito conheça ao máximo essa pessoa antes de decidir encontrá-la. E alguém precisa saber para onde ele está indo, caso seja necessário localizá-lo depois. É importante se valer desses cuidados.

Portal Fortaleza Amiga do Idoso: O que é preciso observar quando se inicia um namoro de forma virtual? O que o idoso precisa fazer para essa interação ser saudável e segura?

José Marconi Oliveira: O namoro é uma construção e esse vínculo vai se dando aos poucos. Ela precisa ser percebida pelos dois, mediada pela segurança, pela satisfação, e principalmente se você percebe se vale a pena ou não. É preciso explorar ao máximo o que o outro pensa sobre o que é essencial para você. O que você considera parâmetro para sua vida, seu conceito de família, seu conceito de liberdade. É importante entender todas essas coisas.

Portal Fortaleza Amiga do Idoso: Como encontrar os melhores sites, aplicativos e plataformas para os idosos que querem se relacionar online?

José Marconi Oliveira: Pesquise, leia comentários, veja se é segura! Quanto mais informações, melhor. Por ser pouco falado ou discutido, o idoso tem poucas opções, e pode acabar entrando em alguma plataforma enganosa por falta de conhecimento. O idoso pode pedir ajuda a alguém com mais familiaridade com a internet para ver se vale a pena criar um perfil e participar da rede. Um idoso enganado pode acabar sofrendo danos gigantescos ao seu emocional e à sua saúde mental.